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É [It Is]
In Atto (No Lugar) [In Place]
É O Que É [It Is What It Is]
Tenho Dito & Digo [I Have Said and Say]
Fotopoemação [Photopoemation]
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Título: É
Edição: Anna Maria Maiolino, Rafael Costa e Mateus Pires
Som: Anna Maria Maiolino / Mateus Pires
Duração: 3'15”
Atriz: Sandra Lessa
Vídeo digital
Sinopse: Este vídeo tem o título homônimo da instalação-performance, apresentada na Fundação Eva Klabin no Rio de Janeiro, integrante do Projeto Respiração com a curadoria de Marcio Doctors. No entanto, o vídeo como obra, pode ser mostrado por separado da instalação/performance.
A personagem é uma mulher vestida de vermelho que segura uma lamparina acesa na palma da mão. Os sons improvisados pela artista Sandra Lessa sugerem indícios de rituais. O fogo é um dos elementos originários da vida e também é o que representa o saber da homem história.
Title: It is
Editing: Anna Maria Maiolino, Rafael Costa and Mateus Pires
Sound: Anna Maria Maiolino and Mateus Pires
Length: 3’15”
Actress: Sandra Lessa
Digital video
Synopsis: This video was made to participate in the homonymous installation, which was part of the project "Respiração" [Breathing Project] at Fundação Eva Klabin in Rio de Janeiro, in 2010. However, this video can also be presented separately from the installation, as a self-sufficient work.
The character is a woman dressed in red who holds a lit lamp in the palm of her hand. The sounds improvised by artist Sandra Lessa suggest signs of ritual. Fire is one of the original elements of life and is also what represents the knowledge of man in history.
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IN ATTO [No Lugar], uma performance de Anna Maria Maiolino, 2015
In Atto se realiza com duas personagens: uma mulher jovem, Sandra Lessa, a performer, e outra anciã, Anna Maria Maiolino. A participação da artista neste trabalho se reveste de aspectos metafóricos e simbólicos como esteio para que a jovem volte à vida.
A obra mostra aspectos de rituais que proporcionam a afirmação da vida sobre a dor, a repressão e a morte. Sandra, a jovem performer, compõe uma linguagem de sons composta de vocalizações associada à teatralização do seu corpo. A paisagem sonora trabalha com uma linguagem própria, com um sentido extragramatical, sem perder o sentimento das dimensões do acontecimento do ato criativo. A teatralização do corpo em IN ATTO, comparada a um rito xamânico com seus gritos e movimentos, suscita a autorrestauração da vida sobre a morte. O corpo que inicialmente estava inerte, enfaixado em bandagens, com o desenrolar da performance se alimenta de si mesmo, se regenera e retorna à vida.
IN ATTO [In Place], a performance by Anna Maria Maiolino, 2015
In Atto is rendered by two women: the young performer, Sandra Lessa, and the elder, Anna Maria Maiolino. The artist’s participation in this work exudes metaphoric and symbolic aspects, as a support for bringing the youngster back to life.
The work shows life-affirming aspects of rituals related to pain, repression and death. Sandra, the young performer, composes a language of voiced sounds associated to the dramatization of her body. The soundscape works with a language of its own, with an extra-grammatical sense, and without losing the feeling of the dimensions of the creative act in the making. The corporal dramatization in IN ATTO, compared to a shamanic rite with its shouts and movements, stirs the self-restoration of life over death. The body, initially inert and wrapped in bandages, as the performance unfolds feeds on itself, is regenerated and returns to life.
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Título: É O QUE É
Edição: Anna Maria Maiolino e Mateus Pires
Fotografia com câmera de celular: Anna Maria Maiolino
Voz: Tania Piffer
Duração: 8’ 57”
Sinopse: “É O QUE É”, é o título do último vídeo produzido por Anna Maria Maiolino. Ela define esse trabalho como “a-documentário” ou “entre-documentos” e faz parte de uma pequena série de vídeos onde a artista se associa ao real como motivador poético da obra.
A maneira livre como foi utilizada a câmera na captação de imagens evidenciam que nessa filmagem não há interessa a dar supremacia ao olhar. O vídeo escorre entre a presença da morte e seus mistérios com os movimentos livres da câmera e os sons no espaço escuro da gruta do cemitério Delle Fontanelle. Os sons produzidos pela voz de Tania Piffer acentuam o sortilégio do espaço, e o vídeo, não obstante a não linearidade da narrativa vai adquirindo sentidos entre o irônico e o trágico.
A gravação foi realizada na visita que Maiolino realizou ao “Cimitero delle Fontanelle” em Nápoles que ocupa espaços dos subsolos da cidade. A peculiaridade deste cemitério não está somente no que você vê, mas em todas as histórias, anedotas e curiosidades que tem por trás sua história como antigo ossuário que se estende por mais de 3000 metros quadrados. O o cemitério preserva quatro séculos de restos mortais daqueles que não podiam pagar um enterro, vítimas das epidemias que frequentemente atingiam Nápoles. Ossos e crânios amontoados ficam à vista do visitante.
A ligação e sentimentos junto com a imaginário da vida após da morte faz parte da vida cotidiana dos napolitanos e é integrante à cultura da cidade.
Title: IT IS WHAT IT IS
Editing: Anna Maria Maiolino and Mateus Pires
Photography with cell phone camera: Anna Maria Maiolino
Voice: Tania Piffer
Length: 8 ’36”
Synopsis: “IT IS WHAT IT IS”, is the title of the last video produced by Anna Maria Maiolino. She defines this work as “a-documentary” or “between-documents” and is part of a small series of videos in which the artist associates with the real as a poetic motivator of the work.
The free way in which the camera was used to capture images shows that in this footage there is no interest in giving supremacy to the sight. The video runs between the presence of death and its mysteries with the free movements of the camera and the sounds in the dark space of the “Cimitero delle Fontanelle”. The sounds produced by Tania Piffer's voice accentuate the spell of space, and the video, despite the non-linearity narrative acquires meanings between the ironic and the tragic.
The recording was made during Maiolino’s visit to the “Cimitero delle Fontanelle” in Naples, Italy, which occupies underground spaces in the city. The peculiarity of this cemetery is not only in what you see, but in all the stories, anecdotes and curiosities behind its history as an ancient ossuary that stretches over 3000 square meters. The cemetery preserved four centuries of remains of those who could not afford a funeral, victims of the epidemics that often hit Naples. Bones and skulls huddled together are visible to the visitor.
The connection and feelings together with the imaginary of life after death is part of the daily life of Neapolitans and is integral to the culture of the city.
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TENHO DITO & DIGO (revisado em 22/01/2020)
Entrelaçando minha memória com meus sentimentos realizo anotações, narrativas dos tempos passados, do presente, e dos tempos que virão. Estes escritos são retirados do projeto multimidia em processo: SINE DIE [Sem Data], iniciado em 2007
São Paulo, 23/11/2019
I
Schhhiiii...
Com ira santa vomito cobras e lagartos,
a ditadura dos militares, violência repetida,
e a intolerante burrice da humanidade.
Expilo-os a jatos contínuos, boca escancarada,
ao igual leão das fontes romanas.
Reflete-se minha imagem aos meus pés na poça que não é água,
é sangue e fatídicos purulentos sucos gástricos.
Schhhiiii...
Oh! Que náusea.
Rio de Janeiro, junho de 1996
II
BANQUETE ANTROPOFÁGICO: projeto de palestra
Eu sou o bolo fecal resultado do banquete antropofágico brasileiro: tornamo-nos Tupis eu e minha obra.
“...O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior...”, (1) no banquete foi-me retirada, fiquei nua.
“...No país da cobra grande...”, (2) pude finalmente não utilizar nenhuma gramática. No meu aparato digestivo misturaram-se a cultura da minha terra natal - a Calábria, ali no sul da Itália e a da terra Tupi Guarani. Tornei-me Calabra-Tupi-Guarani. Perdi a lógica, a obrigação de ser coerente, livrei-me da catequese. Ganhei liberdade.
“...O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo...”. (3) Na argamassa fecal transformaram-se todos os “...meus tabus em totens...”. (4) Revivi na “...na equação, eu parte do Cosmo ao axioma Cosmo parte do eu...”. (5) E finalmente respiro no Direito como “garantia do exercício da possibilidade.”(6)
Não cheguei no “...País do Carnaval...”(7) com os conquistadores, mas em um tardio comboio de imigrantes. Logo ao desembarcar no Rio de Janeiro fui tragada pela beleza da paisagem fulgurante: água, céu azul, sol e montanhas. Entreguei-me feliz à boca aberta da Bahia da Guanabara. Fui comida “...como um inimigo Sacro...”,(8) digerida e expelida eu mesma, uma antropófaga.
Na nova condição de antropófaga fui à busca de comida. O primeiro a ser degustado foi Oswald de Andrade e por identificação seu manifesto antropofágico.
A seguir, foi a vez dos artistas neo-concretos. Digeri muito lentamente as questões conceptuais por eles elaboradas, como: não conceber “...Não concebemos a obra de arte como “maquina” nem como “objeto”, mas como um “quase corpo”, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em parte pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica...”(9)
O banquete foi farto nos anos sessenta. Degustei a imanência e subjetividade de Ligia Clark, enquanto Helio Oiticica colocava novas questões ao consumo da brasilidade.
Ruminando, assino o manifesto: Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda em 1967 - eu que mal falava português- timidamente participo da exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Tempos duros aqueles! Imperavam os militares. Mesmo assim, nosso manifesto rechaçava tudo o que é institucionalizado, impositivo: “...a vanguarda assume uma posição revolucionária clara e estende sua manifestação a todos os campos da sensibilidade e da consciência do homem (....) seu projeto se fundamenta na liberdade de ser, em sua execução busca superar as condições paralisantes dessa liberdade...” (10)
Assim continuo, me deliciando com a poesia dos outros e sempre com novos banquetes que minha vida peregrina me proporciona.
*1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8 - Oswald de Andrade, 1922
*9 -manifesto neo-concreto, Ferreira Gullar, 1959.
* 10 Pedro Geraldo Escosteguy, 1967
Anna Maria Maiolino 24/07/2009
I HAVE SAID AND SAY (revised as from 22/01/2020)
These writings are taken from the ongoing multimedia process: SINE DIE [No Date], started in 2007. Intertwining my memory with my feelings, I take notes, narratives of times past, present and future.
São Paulo, 23/11/2019
I
Shhhhh...
With holy wrath I vomit snakes and lizards,
the dictatorship of the military, repeated violence,
and the intolerant stupidity of humanity.
I blow them out in continuous jets, mouth wide open,
like the lion of the Roman fountains.
My image is reflected at my feet in the puddle that is not water,
it is blood and fateful purulent gastric juices.
Shhhhh...
Oh! What nausea.
Rio de Janeiro, June 1996
II
ANTHROPOPHAGIC BANQUET: Project for a Conference
I am the faecal ball resulting from the Brazilian anthropophagic banquet: my work and I are like the Tupi people. ‘What collided with the truth was clothing, that impermeable layer between the inner and the outer worlds.’1 They took them off at the banquet, I was left naked.
‘In the country of the great snake’2 I finally managed not to use any grammar. Mixed in my digestive system were the cultures of my native land – Calabria, in the south of Italy – and of the Tupi-Guarani land. I became Calabrian-Tupi-Guarani. I got rid of logic, of the obligation to be coherent, of catechism. I gained freedom.
‘The spirit refuses to conceive the spirit without the body.’3 In the faecal mortar, all ‘my taboos and totems were transformed’.4 I came back to life ‘from the equation I coming from the Cosmos to the axiom Cosmos coming from the I’.5 And finally I breathe in what is Right as ‘a guarantee of the full exercise of possibilities’.6 I did not arrive at the ‘Country of Carnival’7 like the Conquistadors, but in a train full of immigrants. As I disembarked in Rio de Janeiro, I was devoured by the beauty of a blazing landscape: water, blue sky, sun and mountains. I happily gave myself away to the open mouth of the Guanabara Bay. I was eaten ‘like a sacred enemy’,8 digested and expelled by myself, an anthropophagous.
In my new condition as an anthropophagous, I went in search of food. The first person I tasted was Oswald de Andrade and, by identification, his Anthropophagous Manifesto. Then it was the turn of the Neo-Concretist artists. I digested very slowly their conceptual ideas, such as: not to conceive ‘…a work of art like a “machine” or an “object”, but rather like a “near body”, i.e., a being whose reality transcends the external relations of its elements; a being that, while capable of being deconstructed through analysis, can only be fully realised through direct, phenomenological means…’9 The banquet was copious during the sixties. I tasted Lygia Clark’s immanence and subjectivity, while Hélio Oiticica was proposing new problems for Brazilian consumption.
While chewing the cud, I signed the Declaração de Princípios Básicos da Nova Vanguardia (Declaration of Basic Principles of the New Avant-Garde) in 1967 – me, who could hardly speak Portuguese – and timidly took part in the exhibition Nova Objetividade Brasileira (New Brazilian Objectivity) at the Museum of Modern Art, Rio de Janeiro. Those were hard times. The military were in power. And yet our manifesto rejected all that was institutional and imposed: ‘…the avant-garde assumes a clearly revolutionary position and extends its manifestation to all the fields of man’s sensitivity and conscience… its project is based on the freedom of human beings, and its execution seeks to transcend the paralysing conditions of this freedom…’10
And so I continue to enjoy other people’s poetry, always finding new banquets in my pilgrim’s life.
*1. Oswald de Andrade, Anthropophagous Manifesto, 1928.
* 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. Op.cit.
* 9. Ferreira Gullar, Neo-Concrete Manifesto, 1959.
* 10. Pedro Geraldo Escosteguy, 1967.
Anna Maria Maiolino 24/07/2009
Schhhiiii…., 1967
Xilogravura [woodcut]
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Performances [Performances]
Anna Maria Maiolino: Entrevidas, MOCA, 2017
6ª apresentação da performance Entrevidas, 1981/2019 no Miami Dade College em Miami, Flórida, EUA. A apresentação fez parte do projeto Living Together com a curadoria de Rina Carvajal, diretora executiva e curadora chefe do MOAD (Museum of Art and Design) e Joseph R. Wolin curador independente.
Participação especial: Gabriel Sitchin.
6th performance presentation Entrevidas [Between Lives], 1981/2019 at Miami Dade College in Miami, Florida, USA. The presentation was part of the Living Together project curated by Rina Carvajal, executive director and chief curator of the MOAD (Museum of Art and Design) and Joseph R. Wolin independent curator.
Special participation: Gabriel Sitchin.
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Fotopoemação [Photopoemation]
Fotopoemação
A série Fotopoemação, iniciada em 1973, é uma produção transversal e paralela desenvolvida através de imagens provenientes dos meus poemas escritos. Ela é resultado, também, da seleção de imagens tiradas diretamente dos filmes super 8, dos vídeos e performances realizados em alguns casos com a colaboração de fotógrafos amigos. Ultimamente, as fotografias são de minha autoria, executadas com câmera fotográfica digital. Esta série de obras, além de se constituírem em desafios de labor poético, são, também, instrumentos eficientes de inovação e de liberdade. São a elaboração do ver o entorno: uma forma de pensar as coisas do mundo, na tentativa de transformar o que vivemos em consciência, em um movimento operacional poético da conduta.
Photopoemation
The series Fotopoemação (Photopoemation), initiated in 1973, is a transversal and parallel production based on images derived from my poems. It is also the result of selected images taken directly from Super 8 films, from videos and performances, some of which were made in cooperation with photographer friends. The latest photos were taken by myself with a digital camera. The works of this series, as well as representing challenges of poetic labor, are also efficient instruments for innovation and freedom. They are an elaboration of our discerning the surroundings: a way of thinking about worldly matters while attempting to transform what we experience into awareness, into an operational poetic motion of the behaviour.
Untitled, from Corpo/Paisagem - (Fotopoemação)
[Body/Landscape (Photopoemaction)]
series, 2018
2020 © copyright anna maria maiolino. all rights reserved // desenvolvido por yuri de francco
+ Filmografia [Filmography]
IN ATTO [No Lugar], uma performance de Anna Maria Maiolino, 2015
In Atto se realiza com duas personagens: uma mulher jovem, Sandra Lessa, a performer, e outra anciã, Anna Maria Maiolino. A participação da artista neste trabalho se reveste de aspectos metafóricos e simbólicos como esteio para que a jovem volte à vida.
A obra mostra aspectos de rituais que proporcionam a afirmação da vida sobre a dor, a repressão e a morte. Sandra, a jovem performer, compõe uma linguagem de sons composta de vocalizações associada à teatralização do seu corpo. A paisagem sonora trabalha com uma linguagem própria, com um sentido extragramatical, sem perder o sentimento das dimensões do acontecimento do ato criativo. A teatralização do corpo em IN ATTO, comparada a um rito xamânico com seus gritos e movimentos, suscita a autorrestauração da vida sobre a morte. O corpo que inicialmente estava inerte, enfaixado em bandagens, com o desenrolar da performance se alimenta de si mesmo, se regenera e retorna à vida.
IN ATTO [In Place], a performance by Anna Maria Maiolino, 2015
In Atto is rendered by two women: the young performer, Sandra Lessa, and the elder, Anna Maria Maiolino. The artist’s participation in this work exudes metaphoric and symbolic aspects, as a support for bringing the youngster back to life.
The work shows life-affirming aspects of rituals related to pain, repression and death. Sandra, the young performer, composes a language of voiced sounds associated to the dramatization of her body. The soundscape works with a language of its own, with an extra-grammatical sense, and without losing the feeling of the dimensions of the creative act in the making. The corporal dramatization in IN ATTO, compared to a shamanic rite with its shouts and movements, stirs the self-restoration of life over death. The body, initially inert and wrapped in bandages, as the performance unfolds feeds on itself, is regenerated and returns to life.
TENHO DITO & DIGO
(revisado em 22/01/2020)
Entrelaçando minha memória com meus sentimentos realizo anotações, narrativas dos tempos passados, do presente, e dos tempos que virão. Estes escritos são retirados do projeto multimidia em processo: SINE DIE [Sem Data], iniciado em 2007
São Paulo, 23/11/2019
I
Schhhiiii...
Com ira santa vomito cobras e lagartos,
a ditadura dos militares, violência repetida,
e a intolerante burrice da humanidade.
Expilo-os a jatos contínuos, boca escancarada,
ao igual leão das fontes romanas.
Reflete-se minha imagem aos meus pés na poça que não é água,
é sangue e fatídicos purulentos sucos gástricos.
Schhhiiii...
Oh! Que náusea.
Rio de Janeiro, junho de 1996
II
BANQUETE ANTROPOFÁGICO: projeto de palestra
Eu sou o bolo fecal resultado do banquete antropofágico brasileiro: tornamo-nos Tupis eu e minha obra.
“...O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior...”, (1) no banquete foi-me retirada, fiquei nua.
“...No país da cobra grande...”, (2) pude finalmente não utilizar nenhuma gramática. No meu aparato digestivo misturaram-se a cultura da minha terra natal - a Calábria, ali no sul da Itália e a da terra Tupi Guarani. Tornei-me Calabra-Tupi-Guarani. Perdi a lógica, a obrigação de ser coerente, livrei-me da catequese. Ganhei liberdade.
“...O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo...”. (3) Na argamassa fecal transformaram-se todos os “...meus tabus em totens...”. (4) Revivi na “...na equação, eu parte do Cosmo ao axioma Cosmo parte do eu...”. (5) E finalmente respiro no Direito como “garantia do exercício da possibilidade.”(6)
Não cheguei no “...País do Carnaval...”(7) com os conquistadores, mas em um tardio comboio de imigrantes. Logo ao desembarcar no Rio de Janeiro fui tragada pela beleza da paisagem fulgurante: água, céu azul, sol e montanhas. Entreguei-me feliz à boca aberta da Bahia da Guanabara. Fui comida “...como um inimigo Sacro...”,(8) digerida e expelida eu mesma, uma antropófaga.
Na nova condição de antropófaga fui à busca de comida. O primeiro a ser degustado foi Oswald de Andrade e por identificação seu manifesto antropofágico.
A seguir, foi a vez dos artistas neo-concretos. Digeri muito lentamente as questões conceptuais por eles elaboradas, como: não conceber “...Não concebemos a obra de arte como “maquina” nem como “objeto”, mas como um “quase corpo”, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em parte pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica...”(9)
O banquete foi farto nos anos sessenta. Degustei a imanência e subjetividade de Ligia Clark, enquanto Helio Oiticica colocava novas questões ao consumo da brasilidade.
Ruminando, assino o manifesto: Declaração de Princípios Básicos da Vanguarda em 1967 - eu que mal falava português- timidamente participo da exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Tempos duros aqueles! Imperavam os militares. Mesmo assim, nosso manifesto rechaçava tudo o que é institucionalizado, impositivo: “...a vanguarda assume uma posição revolucionária clara e estende sua manifestação a todos os campos da sensibilidade e da consciência do homem (....) seu projeto se fundamenta na liberdade de ser, em sua execução busca superar as condições paralisantes dessa liberdade...” (10)
Assim continuo, me deliciando com a poesia dos outros e sempre com novos banquetes que minha vida peregrina me proporciona.
*1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8 - Oswald de Andrade, 1922
*9 -manifesto neo-concreto, Ferreira Gullar, 1959.
* 10 Pedro Geraldo Escosteguy, 1967
Anna Maria Maiolino 24/07/2009
I HAVE SAID AND SAY (revised as from 22/01/2020)
These writings are taken from the ongoing multimedia process: SINE DIE [No Date], started in 2007. Intertwining my memory with my feelings, I take notes, narratives of times past, present and future.
São Paulo, 23/11/2019
I
Shhhhh...
With holy wrath I vomit snakes and lizards,
the dictatorship of the military, repeated violence,
and the intolerant stupidity of humanity.
I blow them out in continuous jets, mouth wide open,
like the lion of the Roman fountains.
My image is reflected at my feet in the puddle that is not water,
it is blood and fateful purulent gastric juices.
Shhhhh...
Oh! What nausea.
Rio de Janeiro, June 1996
II
ANTHROPOPHAGIC BANQUET: Project for a Conference
I am the faecal ball resulting from the Brazilian anthropophagic banquet: my work and I are like the Tupi people. ‘What collided with the truth was clothing, that impermeable layer between the inner and the outer worlds.’1 They took them off at the banquet, I was left naked.
‘In the country of the great snake’2 I finally managed not to use any grammar. Mixed in my digestive system were the cultures of my native land – Calabria, in the south of Italy – and of the Tupi-Guarani land. I became Calabrian-Tupi-Guarani. I got rid of logic, of the obligation to be coherent, of catechism. I gained freedom.
‘The spirit refuses to conceive the spirit without the body.’3 In the faecal mortar, all ‘my taboos and totems were transformed’.4 I came back to life ‘from the equation I coming from the Cosmos to the axiom Cosmos coming from the I’.5 And finally I breathe in what is Right as ‘a guarantee of the full exercise of possibilities’.6 I did not arrive at the ‘Country of Carnival’7 like the Conquistadors, but in a train full of immigrants. As I disembarked in Rio de Janeiro, I was devoured by the beauty of a blazing landscape: water, blue sky, sun and mountains. I happily gave myself away to the open mouth of the Guanabara Bay. I was eaten ‘like a sacred enemy’,8 digested and expelled by myself, an anthropophagous.
In my new condition as an anthropophagous, I went in search of food. The first person I tasted was Oswald de Andrade and, by identification, his Anthropophagous Manifesto. Then it was the turn of the Neo-Concretist artists. I digested very slowly their conceptual ideas, such as: not to conceive ‘…a work of art like a “machine” or an “object”, but rather like a “near body”, i.e., a being whose reality transcends the external relations of its elements; a being that, while capable of being deconstructed through analysis, can only be fully realised through direct, phenomenological means…’9 The banquet was copious during the sixties. I tasted Lygia Clark’s immanence and subjectivity, while Hélio Oiticica was proposing new problems for Brazilian consumption.
While chewing the cud, I signed the Declaração de Princípios Básicos da Nova Vanguardia (Declaration of Basic Principles of the New Avant-Garde) in 1967 – me, who could hardly speak Portuguese – and timidly took part in the exhibition Nova Objetividade Brasileira (New Brazilian Objectivity) at the Museum of Modern Art, Rio de Janeiro. Those were hard times. The military were in power. And yet our manifesto rejected all that was institutional and imposed: ‘…the avant-garde assumes a clearly revolutionary position and extends its manifestation to all the fields of man’s sensitivity and conscience… its project is based on the freedom of human beings, and its execution seeks to transcend the paralysing conditions of this freedom…’10
And so I continue to enjoy other people’s poetry, always finding new banquets in my pilgrim’s life.
*1. Oswald de Andrade, Anthropophagous Manifesto, 1928.
* 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. Op.cit.
* 9. Ferreira Gullar, Neo-Concrete Manifesto, 1959.
* 10. Pedro Geraldo Escosteguy, 1967.
Anna Maria Maiolino 24/07/2009
2020 © copyright anna maria maiolino. all rights reserved.
// desenvolvido por yuri de francco